sábado, 5 de julho de 2014

Parabéns, Simões!

Muitos parabéns, Simões. Por esta altura, há 98 anos, o mundo tornava-se um lugar melhor com a tua chegada.

É o teu nonagésimo oitavo aniversário, o décimo primeiro que não o celebras connosco. Mas nem por isso deixamos de o celebrar.

Deves saber a falta que fazes. E fazes muita, neste momento em particular. Faz falta o teu sorriso rasgado, puro, feliz. O teu sorriso quando juntavas à mesa, com a tua mulher, as três filhas, os três netos e os três genros. Não dizias muito, mas os teus olhos e o teu sorriso diziam tudo. Faz falta a tua infinita paciência.

As homenagens nunca são demais. Mas são devidas pelos vivos aos vivos, não postumamente. Lamento que estas linhas não tenham sido guardadas por ti. Guardadas como guardaste os meus testes da primária e do ciclo preparatório.

Tenho saudades do brilho dos teus olhos quando te dizia que tinha tido outra boa nota. Tenho saudades da gargalhada que davas quando dizia que alguns professores acertavam sempre em perguntar, nos testes, exactamente as partes da matéria que eu não sabia.

Tenho saudades de passar a mão pela tua barriga e pela tua careca: não havia mal nenhum ou preocupação alguma quando estava abraçado a ti.

Tenho saudades de te ver a veres-me jogar, dois autocarros e um barco depois.

Queria que fosses tu a dar-me os teus kiwis, as tuas nozes, as tuas maçãs. São uma parte de ti que ainda está viva, mas não é a mesma coisa.

É o teu aniversário, hoje. Mas também não me esqueço que amanhã fará onze anos desde que me viste pela última vez. Não foi a última vez que te vi, mas foi a última vez que me viste. E viste-me feliz. Feliz porque fiz-te ver que a tua cabeça estava tão lúcida e em forma como sempre esteve. Fiz-te ver, dizendo letras aleatoriamente, que sabias ainda de cor o código Morse. A cada letra que eu escolhia, a tua resposta saia pronta, telegráfica! Não sei se as respostas estavam certas. Sei, sei, sim. Estavam certas, não erraste uma, sequer. E como isso te satisfez. O teu sorriso mostrava-o bem, cada vez maior após cada resposta. E como isso me deliciou. Ainda bem que foi assim que me viste pela última vez.

Lembro-me também do jogo que fazíamos quando estiveste internado. Eu fazia questão de teres sempre mais e mais dos preciosos beijos da tua preciosa Preciosa. Como ela fazia questão de ser sempre a última a despedir-se de ti, eu voltava várias vezes para trás, depois do beijo que ela te dava, para me despedir outra vez de ti. Teimosa, olhava-me de lado e dava passos apressados para te dar outro beijo, voltando a olhar para mim e perguntando, telepaticamente, "quem é que é a última pessoa a despedir-se do meu Simões, quem é?" E tu, encantado, satisfeito, enamorado, não os enjeitavas, obviamente.

Às vezes penso que adoraria que tivesses sido meu colega de escola. Que tivesses sido meu colega no primeiro emprego. Que tivesses crescido comigo. Mas isso impedir-te-ia de seres meu avô. E não há nada que eu trocasse por isso.

Lembro-me de ti quando eu ficava à tua espera, na varanda da tua casa, e via-te a dobrar a esquina e a acenar para mim, sempre com o teu sorriso. E ficavas tão contente quanto eu. É essa a imagem que tenho de ti.

As homenagens são para os vivos. Já fiz algumas, tenho outras, muito importantes, para fazer. E fá-las-ei. Mais uma vez, tenho pena que esta esteja onze anos atrasada. Mas sei que não levas a mal.

Feliz aniversário. Beijo grande.