quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Para 2015!

Os últimos dias dos meses de Dezembro são sempre de retrospectiva do ano que finda e de formulação de desejos e resoluções para o ano que se aproxima.

A retrospectiva tem pouco que se lhe diga. Foi-se a troika, mas ainda não sabemos quanto tempo mais estaremos e seremos troikados. Foi um ano menos saudável. Mas foi um ano com melhor trabalho. Faltaram algumas coisas. Pouco interessa para aqui.

Interessa mais o ano de 2015. Não se pode fazer muito relativamente ao ano que passou. Para 2015, desejo mais tempo. Mais tempo para gozar o tempo. Melhor tempo. Menos tempo perdido. Que o tempo não tenha sido perdido. Que nos deixem descansar, que nos deixem respirar, recuperar do sufoco. Quero que as minhas ucronias deixem de o ser. Não muitas: só duas.

No próximo ano, espero sentir que governamos quem nos governa. Espero que não sejam colhidas laranjas azedas nem rosas murchas e com mais espinhos do que pétalas; que as setas apontem para o alvo certo; que a foice não seja metida em seara alheia e que o martelo não bata senão em pregos; que a estrela não seja um buraco negro; que a papoila não cause euforias ou hipnotismos.

Espero que, nos próximos doze meses, tudo o que seja dourado reluza e tenha valor, mas que não encandeie. Espero sentir-me menos detido do que alguns detidos; menos afundado; menos rico que certos leopardos.

Em 2015, espero ter a certeza que vou, que vamos, passar bem em 2016.

Feliz ano novo!



segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Eu acredito em António Costa!

António Costa apareceu, como líder do seu partido, numa aura de um político diferente de todos os outros. Um salvador, alguém capaz de apagar todo o mal causado pelos partidos antagonistas do seu e pelo seu próprio partido.

Neste fim-de-semana, eu vi que tal epíteto é justificado. António Costa, após algumas semanas sem concretizar uma única ideia de governação, manifestou-se relativamente à TAP.

Sendo a privatização da TAP um assunto constante dos dossiês do Executivo, o actual líder da autarquia lisbonense afirmou, dando a entender ser contra o modelo de privatização anunciado para a companhia, que a TAP "é tão importante, hoje, para Portugal como foram, no século XIV, as caravelas".

As caravelas foram equipamentos absolutamente essenciais para a época conhecida como os Descobrimentos. Esta época ocorreu entre os anos 1415 (ou 1418, já que Ceuta foi uma conquista, não uma descoberta) e 1543. Sendo que o século I compreendeu os anos 1 a 100, o século XIV teve como limites 1 de Janeiro de 1301 e 31 de Dezembro de 1400.

O maior impulsionador dos Descobrimentos, o Infante D. Henrique, já tinha seis anos no fim do século XIV, mas duvido que, por essa altura, ele imaginasse todo o mundo de possibilidades que aquele conjunto de tábuas de madeira lhe poderiam proporcionar. 

Eu deixei de duvidar da imparidade de António Costa. António Costa não mente. Para ele, a TAP tem a importância nacional que tiveram as caravelas muito antes de elas terem partido para o desconhecido e de trazerem para o nosso país tantas riquezas. Imagino que, para ele, o futebol tenha a mesma importância que os gladiadores e o circo romano tiveram há cinquenta mil anos; que o euro tenha a mesma importância que o escudo teve no século II.

Eu só espero que, seja António Costa primeiro-ministro ou outro qualquer, daqui a um ano, eu não tenha, para o Governo, a mesma importância que tiveram os meus saudosos avós no século XVII.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Voltas

Depois de uma volta completa,
que nunca apontou a direcção certa,
sempre a ter mais e ser menos do que queres,
sem poder tapar-me nem destapar-me de ti,
tão certo como não poder haver vales sem montes,
o inefável peso do vazio esmaga
e detalha todo o desconhecido,
como se o sonhado fosse o vivido.


Sonho que faz das palavras oculares
ter a pele que osculares
e os braços como teus colares,
após uma volta concreta,
num abraço que tudo desaperta,
ter tanto quanto e ser tudo o que queres,
tapar-me e não mais me destapar de ti.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

OÃN MISSA!

Pedro Passos Coelho continua a não surpreender. O seu Governo tem-se caracterizado por, entre outros aspectos menos positivos, definição e concretização de medidas da frente para trás, em ordem inversa, começando pelo telhado do edifício, em vez de o iniciar pelas fundações.

Agora, há poucos dias, apresentou a intenção de replicar os vistos gold nos "Territórios de Baixa Densidade", atribuindo-os a quem investir e criar emprego no interior do país. Parece-me boa ideia. Muito boa ideia. Ou seria, não fosse ter, até aqui, encerrado, nestes "Territórios", escolas, tribunais, centros de saúde, repartições públicas e aumentado exponencialmente os custos de deslocação, quer pelas distâncias que passaram a ser necessárias percorrer no dia-a-dia, quer pelo fim das SCUT's, muitas delas ainda sem uma alternativa rodoviária digna desse nome. 

Mais uma vez, as pessoas são preteridas em detrimento do poder económico dos empresários. Estes criarão as suas empresas, algumas empresas, subsidiadas pelos recursos dos contribuintes (investimentos mais baratos) e concederão emprego precário, aceite por quem não tem outra alternativa (nem sequer capacidade de emigrar). Quem se submeterá a um emprego nestas condições, onde tenha que percorrer 30 quilómetros para deixar o filho na escola, outros tantos para o ir buscar; 50 quilómetros,  caso precise de uma consulta num centro de saúde, ou ainda mais, se tiver que ir a um hospital? Apenas aquelas pessoas cujo agregado familiar é constituído por um ou dois elementos. Será esta uma medida coordenada com outras, tais como a ansiada política de natalidade? Não saberá o Governo que fechar serviços e, passado algum tempo, reabri-los custa muito mais do que ter criado incentivos logo à partida para o aumento populacional nestas áreas? 

Eu sou, há muito, favorável à existência de incentivos a quem pretenda fixar-se no interior. Tanto a pessoas como a empresários. Não há pessoas sem empresas nem há empresas que subsistam sem pessoas. Mas é necessário que existam condições prévias, ao nível de infra-estruturas, para ambos os grupos, para que essa fixação e essa atractividade sejam possíveis e concretizáveis. 

Não é por se aumentar, hoje, o número de especializações em pediatria e se reduzir o número de geriatras que iremos inverter a nossa pirâmide etária (qual pirâmide?!). É com a expectativa real de existência de creches e escolas nas proximidades. É com urgências médicas a serem tratadas urgentemente. 

Tal como fez desde o início do mandato, reduzindo salários e pensões em vez de atacar, realmente, os imensos gastos públicos supérfluos, tal como o guião de reforma do Estado foi apresentado apenas na segunda metade da legislatura e está ainda por definir, não passando de frases avulsas, toda a política do actual Governo se tem assemelhado mais a um caranguejo do que a um coelho. Por isso, deixarei um apelo numa forma que seja, pelos seus elementos, entendido: OÃN MISSA! 

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Vinho (a noite que não passa)

O pêndulo, sem saber, balanceia,
O relógio não se embaraça.
Mostra que a noite, cruel, não passa.
Passa o tempo, sempre nov’e meia.

Ponteiros quedos formam uma teia, 
A noite sem fim uma ameaça
Com aquela nova que se fez massa 
Em terra viva de breu sem candeia.

Pudera vir-me em sorte a graça
De não haver de ti só tempos breves:
Deixam a bruma que tudo embaça.

Sabes que tu me açoras sem sebes,
Que quero tanto estar na tua taça,
Mas não sou eu o vinho que tu bebes. 

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Tribunal de Contas Bom e Tribunal de Contas Mau

Posso estar enganado, mas o maior mediatismo de Ricardo Salgado em relação a Guilherme de Oliveira Martins parece ter feito passar despercebida a divisão do Tribunal de Contas em TdC Bom e TdC Mau.

Em menos de uma semana, dois pareceres elaborados na Av. da República alfacinha, que considero de grande importância, foram divulgados pela comunicação social. Por mim, seriam classificados como um activo bom e um activo tóxico. Saliento que a classificação seria dada conforme a informação divulgada pelos media, e não pela leitura dos respectivos pareceres, que não tive oportunidade de ler (estando, obviamente, sujeito a uma possível interpretação incorrecta).

Começando pelo mais desagradável, o Tribunal de Contas veio sugerir como medida mitigadora do número de portugueses sem médico de família a implementação de um limite de tempo para cada consulta, até um máximo de quinze minutos. Desse modo, poderiam atender mais pacientes. Eu considero esta sugestão totalmente absurda. É o mesmo que propor diminuir as listas de espera das cirurgias impondo um limite de três horas para cada operação. Esta medida vai proporcionar o aumento exponencial de situações como a que vivi na minha adolescência: fui diagnosticado, num Centro de Saúde, com uma amigdalite, nove anos depois de ter removido as amígdalas. Eu não quero ter outro familiar, queixando-se de dores na barriga, a ser enviado para casa diagnosticado com gases, tendo que voltar no dia seguinte para lhe ser diagnosticada uma apendicite. Uma consulta não pode ser definida por uma ampulheta. Uma consulta pode demorar menos de cinco minutos, se se cingir apenas à análise dos resultados de umas análises clínicas e estas trouxerem boas notícias. Mas quinze minutos serão manifestamente insuficientes se o paciente relatar ao médico que tem que optar entre a dezena de fármacos receitados por não ter recursos para os comprar todos, ou que tem que optar entre comer e medicar-se. Ou poderão também ser insuficientes para o médico perceber se os fungos nos pés do paciente têm origem no calçado, no trabalho na horta ou na falta de higiene das instalações sanitárias que utiliza. E a questão não são quinze minutos em vez de uma ou duas horas de consulta. As consultas têm que levar o tempo necessário. Nem mais, nem menos. E isso é função dos médicos garantir que é praticado. Não é essa medida que, creio, faz parte das funções atribuídas ao Tribunal de Contas, uma vez que até nem levariam a uma redução da despesa pública, sendo o número de médicos exactamente o mesmo. Já seria da competência do Tribunal de Contas referir que a falta de médicos poderia ser suprida se se impedisse que os "sôtores" recebessem salário por horas em instalações públicas quando estavam a trabalhar em clínicas privadas ou nos seus consultórios. Com evidentes benefícios para o orçamento do Ministério da Saúde.

Já o Tribunal de Contas Bom teve a sua primeira aparição criticando a falta de sustentabilidade das contas da Segurança Social, justificando, e bem, com a ausência de medidas que garantam, agora e a prazo, os recursos necessários para desempenhar as funções para as quais foi criada. Aumentar a Taxa Social Única, reduzir e taxar pensões e subsídios e diminuir a duração de atribuição destes últimos são medidas avulsas e de retalho que não resolvem a propalada insustentabilidade. São medidas ao nível do crescimento do emprego (e de melhoria do emprego), de promoção de hábitos mais saudáveis (tanto a nível físico como mental) e da natalidade que irão afastar o fantasma da falência da Previdência. 

Ainda neste campo, é abordada pelo Tribunal de Contas (Bom) a exposição da Segurança Social à dívida pública portuguesa. E também aqui há uma evidente semelhança com o caso Espírito Santo. Vítor Gaspar, enquanto Ministro das Finanças, deu orientações à Segurança Social para comprar dívida pública portuguesa. Qual é a diferença desta medida para as dívidas assumidas pelas empresas do Grupo Espírito Santo perante o BES, através de ordens de Ricardo Salgado e restantes administradores? A função da Segurança Social não é financiar a economia nacional nem emprestar dinheiro ao Estado. É garantir protecção social de forma equitativa e um fim de vida digno a quem passou uma vida a trabalhar.

Faltará agora saber que belos trabalhos de marketing surgirão para dar nome a estas novas duas entidades. E quais os detalhes da divisão. Quanto aos activos, parece-me que os subscritores destes pareceres deram já uma boa ajuda.

sábado, 5 de julho de 2014

Parabéns, Simões!

Muitos parabéns, Simões. Por esta altura, há 98 anos, o mundo tornava-se um lugar melhor com a tua chegada.

É o teu nonagésimo oitavo aniversário, o décimo primeiro que não o celebras connosco. Mas nem por isso deixamos de o celebrar.

Deves saber a falta que fazes. E fazes muita, neste momento em particular. Faz falta o teu sorriso rasgado, puro, feliz. O teu sorriso quando juntavas à mesa, com a tua mulher, as três filhas, os três netos e os três genros. Não dizias muito, mas os teus olhos e o teu sorriso diziam tudo. Faz falta a tua infinita paciência.

As homenagens nunca são demais. Mas são devidas pelos vivos aos vivos, não postumamente. Lamento que estas linhas não tenham sido guardadas por ti. Guardadas como guardaste os meus testes da primária e do ciclo preparatório.

Tenho saudades do brilho dos teus olhos quando te dizia que tinha tido outra boa nota. Tenho saudades da gargalhada que davas quando dizia que alguns professores acertavam sempre em perguntar, nos testes, exactamente as partes da matéria que eu não sabia.

Tenho saudades de passar a mão pela tua barriga e pela tua careca: não havia mal nenhum ou preocupação alguma quando estava abraçado a ti.

Tenho saudades de te ver a veres-me jogar, dois autocarros e um barco depois.

Queria que fosses tu a dar-me os teus kiwis, as tuas nozes, as tuas maçãs. São uma parte de ti que ainda está viva, mas não é a mesma coisa.

É o teu aniversário, hoje. Mas também não me esqueço que amanhã fará onze anos desde que me viste pela última vez. Não foi a última vez que te vi, mas foi a última vez que me viste. E viste-me feliz. Feliz porque fiz-te ver que a tua cabeça estava tão lúcida e em forma como sempre esteve. Fiz-te ver, dizendo letras aleatoriamente, que sabias ainda de cor o código Morse. A cada letra que eu escolhia, a tua resposta saia pronta, telegráfica! Não sei se as respostas estavam certas. Sei, sei, sim. Estavam certas, não erraste uma, sequer. E como isso te satisfez. O teu sorriso mostrava-o bem, cada vez maior após cada resposta. E como isso me deliciou. Ainda bem que foi assim que me viste pela última vez.

Lembro-me também do jogo que fazíamos quando estiveste internado. Eu fazia questão de teres sempre mais e mais dos preciosos beijos da tua preciosa Preciosa. Como ela fazia questão de ser sempre a última a despedir-se de ti, eu voltava várias vezes para trás, depois do beijo que ela te dava, para me despedir outra vez de ti. Teimosa, olhava-me de lado e dava passos apressados para te dar outro beijo, voltando a olhar para mim e perguntando, telepaticamente, "quem é que é a última pessoa a despedir-se do meu Simões, quem é?" E tu, encantado, satisfeito, enamorado, não os enjeitavas, obviamente.

Às vezes penso que adoraria que tivesses sido meu colega de escola. Que tivesses sido meu colega no primeiro emprego. Que tivesses crescido comigo. Mas isso impedir-te-ia de seres meu avô. E não há nada que eu trocasse por isso.

Lembro-me de ti quando eu ficava à tua espera, na varanda da tua casa, e via-te a dobrar a esquina e a acenar para mim, sempre com o teu sorriso. E ficavas tão contente quanto eu. É essa a imagem que tenho de ti.

As homenagens são para os vivos. Já fiz algumas, tenho outras, muito importantes, para fazer. E fá-las-ei. Mais uma vez, tenho pena que esta esteja onze anos atrasada. Mas sei que não levas a mal.

Feliz aniversário. Beijo grande.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

O problema da Selecção

Há pouco mais de uma semana, argumentei num texto que o jogo mais importante da Selecção Portuguesa no Campeonato do Mundo no Brasil não era o primeiro, frente à Selecção Alemã. 


Continuo a achar que não é preocupante entrar em campo na segunda jornada com zero pontos, dados os adversários que nos calharam em sorte na primeira fase da competição. Mas o que é assaz preocupante é ter de analisar tão confrangedora exibição dos comandados de Paulo Bento.

Durante e imediatamente após o jogo, ouvi e li as mais variadas "explicações" para tamanho desaire, das quais se destacavam três: o árbitro, as condições meteorológicas e os (não) escolhidos de Paulo Bento, tanto a nível dos 23, como dos 11 que iniciaram a partida.

Comecemos pelas condições meteorológicas. Este argumento é simplesmente absurdo. Não digo que as condições fossem fáceis, muito menos as ideais. Mas quantos jogos fazem os jogadores alemães (tirando os que jogam em clubes espanhóis, uma minoria) com temperaturas a rondar os 30 ºC? Em quantos jogos estão presentes jogadores da selecção portuguesa disputados sob queda de neve e/ou temperaturas negativas?

Relativamente às escolhas de Paulo Bento, nada há a fazer quanto aos 23 que embarcaram para o Brasil. É ele o responsável pelas opções, tem todo o direito a elas. O tempo para as críticas foi no próprio dia em que as opções foram divulgadas. A partir daí, são a casa que escolhemos para viver, são o destino de férias que escolhemos. No final da prestação da equipa na competição, poderá e deverá ser julgado por elas. O mesmo não acontece quanto ao onze apresentado. Cristiano Ronaldo parece estar, de facto, fisicamente a 100 %, pelo que não se põe a questão que levantei na passada semana. Mas deixar William Carvalho no banco e colocar a jogar Miguel Veloso é extremamente grosseiro e injusto. Não questiono os outros dez, também penso serem aqueles que, à partida, oferecem mais garantias de sucesso. Mas Miguel Veloso nunca mostrou nada digno de nota com a camisola das quinas. O que não significa que não se esforce ao máximo, que não dê tudo quando joga. Mas esse tudo é claramente insuficiente, especialmente tendo em conta que nunca houve problemas de alternativas para essa posição.

Por fim, o árbitro. Acusar este de ter prejudicado a nossa selecção é, para além de argumento de um eterno perdedor, absolutamente injusto. Considero até que, globalmente, foi mais prejudicial para os alemães. A grande penalidade assinalada tem motivos, na lei do jogo, para o ser. O que faltou foi mostrar a João Pereira o cartão vermelho em vez do amarelo. Depois, a equipa de arbitragem, com 2-0 no marcador, permitiu que Fábio Coentrão, em fora-de-jogo, receba a bola e a passe para Cristiano Ronaldo, também em posição irregular, originando uma claríssima oportunidade para marcar, tendo um defesa alemão atirado a bola para lá da linha de cabeceira. A equipa de arbitragem não invalidou a jogada, que, para nosso azar, não deu golo, e cedeu canto, indevidamente. E, finalmente, a expulsão de Pepe. Mas desde quando é aquela uma expulsão forçada? O árbitro teve toda a razão em expulsar o irreflectido central. Não há nada que pudesse justificar aquele comportamento, recorrente, aliás.

E isto leva-me às razões pelas quais Portugal perdeu o jogo. É verdade que houve uma grande penalidade clara sobre Éder não assinalada. Mas esta aconteceu nos últimos quinze minutos da partida, com o marcador a indicar 3-0, frente a uma selecção que já geria o encontro, esperando o seu final. E mesmo que o árbitro nos tivesse prejudicado? Estamos sempre com vontade de ver a história do herói, que é injustiçado, que apanha uma coça tão colossal quanto desleal, mas que ressurge, com tantas mais forças quantas as injustiças a que é sujeito. Mas depois não aproveitamos o enredo e não cerramos os dentes, não fazemos das fraquezas forças, queixamo-nos de tudo e de todos menos das nossas pernas e das nossas opções.

Portugal perdeu o jogo porque não pôs o pé, porque não ganhou um ressalto, não venceu um único duelo corpo-corpo, não ganhou uma disputa de uma bola aérea (a inércia de Pepe no segundo golo e a displicência de Bruno Alves no terceiro são visíveis apenas nos campeonatos distritais), não fez três passes consecutivos. A exibição foi má? Não, foi paupérrima! E o que aflige é que os alemães nem sequer forçaram, bastou trocar calmamente a bola e ter os seus jogadores a oferecerem linhas de passe objectivas.

Eu tinha afirmado que não era importante, em termos de objectivos, vencer a Alemanha. Mas tive o cuidado de referir que isso não significava que não se devia entrar para ganhar o jogo.

Não basta dizermos que somos bons. Não basta dizer que somos famosos. Têm sucesso aqueles que fazem precisamente o contrário, aqueles que não se põem em bicos-dos-pés, aqueles que não empinam o nariz, aqueles que não chamam as notícias. Foi assim em 1966, em 2000 e em 2004. Um pouco em 2006. Teimamos em não aprender com os erros (de 1986, 2002 e 2008). É preciso fazê-lo. É preciso corrigir os erros. E é preciso começar por Pepe. Hoje, lembrei-me de um senhor do futebol: Bobby Robson. Lembrei-me do que ele fez quando, num jogo importante em casa do rival de sempre, Fernando Couto foi expulso, deixando a equipa desequilibrada, exposta à derrota que se anunciava. Sir Robson colocou Fernando Couto a treinar sozinho durante várias semanas. E só foi novamente convocado, para o banco, dois ou três meses depois. É um exemplo que deve ser agora seguido - não esqueçamos que Fernando Coutou era, à data, considerado indubitavelmente o melhor central português, já acossado por equipas europeias ricas. Eu, de forma a proteger o grupo, castigaria Pepe com, pelo menos, seis jogos (aqueles que faltam para chegar à final), independentemente do castigo que vier a ser aplicado pela FIFA.

Já chega de termos medo de nós. Já chega de soberba, de anúncios publicitários. São jogadores de futebol. Não faz mal darem tiros transviados, uma grande penalidade qualquer um pode falhar. Atirem! Atirem! Atirem para a baliza, ao lado, mas atirem! Só não dêem tiros nos pés! Estes são precisos para a prática de futebol ao mais alto nível. Penso que mais alto do que o desta competição não existe.



segunda-feira, 9 de junho de 2014

O bom mau aluno


Portugal é, reconhecidamente, um país simpático. Os portugueses são elogiados em todo o mundo. Também os seus governos são muito bem considerados. Mas estes só pelas instâncias internacionais. Aquelas que não são escrutinadas pelos eleitores (expressão tão do agrado, neste momento, de Pedro Passos Coelho e dos actuais dirigentes do PSD).

Os governos de Portugal não têm sido bons governos. É, em grande parte, devido a eles que vivemos na situação em que vivemos. Mas este governo em particular, adjectivado de "bom aluno" pelos elementos da troika, com constantes avaliações positivas por parte do seu tutor, acaba de se auto-intitular de "mau aluno". Ao pedir, hoje, 9 de Junho de 2014, que atrasemos o calendário para 30 de Novembro de 1640, que a troika permaneça mais tempo em Portugal, para resolver o problema derivado da inconstitucionalidade do seu último Orçamento de Estado apresentado, Pedro Passos Coelho assume que não resolve exercícios novos sem o tutor ao seu lado, a guiá-lo, passo a passo. Este é o mais néscio Governo da III República. Passos Coelho e o seu Executivo já viram Orçamentos de Estado chumbados por duas vezes e orçamentos rectificativos por outras cinco. Já era tempo de terem aprendido a lição. Foram muitos os exercícios feitos. Mas, agora que o professor se encaminha para a porta de saída e é apresentado novo teste, o Governo Português mostra-se incapaz perante o desafio, em tudo igual aos anteriores, ainda tão recentemente ultrapassados. E brada, bem alto, para que a porta não se abra.

A verdade é que isto não surpreende. Os métodos de resolução aprendidos e apreendidos foram apenas dois: aumento de impostos e corte de salários, pensões e benefícios. Não se cortaram as regalias nem se fizeram as tão urgentes reformas. Ou seja, a redução do défice não é sustentável. Sairá este Governo e os problemas económico-financeiros voltarão a assombrar-nos e limitar-nos. Tal estultice sair-nos-á cara. Muito cara! E pagá-la-emos aos nossos actuais governantes, numa qualquer gigantesca empresa.

Somos um povo com uma capacidade enorme de sofrimento. O fado é o nosso fado. Foram oito séculos de submissão à nobreza e ao clero. Quase meio século de uma ditadura repressiva, opressora, impedimento de desenvolvimento. E quatro décadas de inépcia das supostas elites em servir o bem comum, o bem público. Até quando vamos deixar que sejamos um bom mau aluno?

domingo, 8 de junho de 2014

Tacticismo para o Campeonato do Mundo

O início do Campeonato do Mundo de futebol está prestes a verificar-se. A selecção portuguesa estrear-se-á no dia 16 de Junho, frente à Mannschaft. Seguir-se-á a selecção norte-americana, sendo concluída a fase de grupos frente ao Gana.


Enquanto entusiasta e amante de futebol, acredito que cada jogo deve ser encarado e preparado para vencer, não importa se o adversário é, teoricamente, muito mais forte ou fraco. No entanto, em partidas que não têm importância apenas de forma isolada, para serem atingidos os objectivos pretendidos, não pode ser esquecido o pragmatismo.



Nas fases finais das competições, é habitual dizer -se que o primeiro jogo é o mais importante. Que é muito importante vencê-lo. Contudo, no caso que nos diz respeito, a minha opinião é precisamente a contrária. A Alemanha, campeã mundial por três vezes, é sempre uma crónica candidata à chegar à final. E ninguém, no seu perfeito juízo, dirá, sem esboçar um sorriso irónico, que Portugal é favorito para esse encontro. Assim sendo, o nosso campeonato, na fase de grupos, é contra as outras duas selecções que nos calharam em sorteio. E isso leva-me à questão que tem tido tanto direito de antena (em demasia, diria eu) nos serviços noticiosos de televisão e rádio e na imprensa: a lesão de Cristiano Ronaldo.



Há cerca de três anos, afirmava eu que, até então, jogar com Cristiano Ronaldo era jogar com dez em campo (na selecção, claro). A partir do Euro 2012, CR7 mudou e passou a ser, na minha opinião, um jogador mais qualquer coisa entre outros dez. E as suas influência e prestações têm sido cada vez mais notórias. É, assim, natural (mas desmedida) a preocupação pela sua limitação nos treinos de preparação para a competição.



Assim sendo, penso que a sua utilização no primeiro jogo da fase de grupos não será aconselhável. Pelo menos, no onze inicial. Será mais importante tê-lo plenamente recuperado para vencermos os jogos que são, quanto a mim, os realmente importantes. Isto não invalida que a equipa, sem CR7, não jogue para vencer os germânicos. Tanto melhor, se conseguirem os três pontos. Mas o importante será vencer EUA e Gana e, de seguida, as finais que antecedem a final, bem como esta.



No xadrez, ninguém vence sem sacrificar algumas pedras. Portugal não tem armas suficientemente fortes para vencer sem algum tacticismo. Espero que tenha o discernimento para o desenhar e implementar.



Boa sorte, Portugal!



P.S.: quero também desejar boa sorte ao Brasil e aos brasileiros. Hoje, ainda não estou certo, dadas as notícias que têm chegado, que a competição será iniciada ou terminada. Para mim, o futebol não pode ser mais importante do que a Saúde e a Educação da população. Mas, já que se chegou até aqui, será sensato garantir que tudo corra bem. As manifestações serão inevitáveis. Esperemos que sejam pacíficas. Boa sorte, Brasil!


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Pedro, o Inconstitucional

Pedro quis governar. Pedro apresentou os seus argumentos, disse estar preparado e ter feito as contas. E fez as contas com os mesmos dados que a troika dispunha. Pedro apoiou-se em Eduardo, o Taxado. Pedro venceu José, o Filósofo, e aceitou o cargo ingrato em tempos e condições difíceis. Mas desejava-o e aceitou-o. E fê-lo começando por jurar cumprir uma série de orientações definidas como a lei fundamental da República Portuguesa - a Constituição.

Pedro constituiu a sua corte: Vítor, o Colossal; Paulo, o Irrevogável; Maria Luís, a Imposta; Pedro, o Motard; Álvaro, o Teórico. Pedro era observado e orientado por Durão, o Cherne, e Christine, la Garde. E, tal como a grande maioria dos governantes que o antecederam em quase nove séculos de História, tem reinado à revelia do que são as mais elementares expectativas de quem é governado. E também à revelia da Constituição Portuguesa.

Pedro e a sua corte não conseguiram, em três anos, apresentar um Orçamento de Estado que não violasse a lei que jurou cumprir. Pedro diz que a culpa não é sua: é da lei, que é má, e daqueles cuja única função é verificar e garantir que aquela é cumprida. Pedro e a sua corte são injustos: conheciam, quando se apresentaram a eleições, as condicionantes portuguesa e europeia.

Pedro não concorda com a lei, mas não convenceu o número de deputados necessário para a alterar. E, portanto, tem de a cumprir tal como ela está plasmada. Se Pedro quiser ser um praticante de basquetebol e não conseguir pontuar através de um afundanço, pode pedir uma alteração à lei que define a altura do cesto. Mas, se não lha concederem, só tem duas alternativas: ou aprende a lançar a bola ou desiste de jogar.

Pedro fez ainda algo pior: conhecendo o resultado das suas acções anteriores, chantageou os juízes do Tribunal Constitucional , afirmando publicamente que estes seriam responsáveis pelas medidas alternativas àquelas que fossem chumbadas. É o mesmo que Pedro, se fosse um réu, culpar um juiz que o condena a uma pena de prisão pela sobrelotação dos estabelecimentos prisionais.

Pedro é injusto. Pedro não sabe nem quer jogar de acordo com as regras pré-estabelecidas. Pedro governa. Mas há-de deixar de governar. Pedro terá o seu lugar na História. Pedro, o Inconstitucional, não será esquecido.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Europa - a Bela Adormecida

A Europa saiu das últimas eleições para o Parlamento Europeu a iniciar um pesadelo. Os resultados mostraram uma grande queda dos partidos mais moderados e uma invasão de um dos castelos do Velho Continente por parte de partidos extremistas. Estes foram até mesmo vencedores dos plebiscitos em alguns dos Estados-membros com manifestamente mais poder de decisão no seio da Europa.

O que me inquieta realmente é que estes resultados eram mais do que uma ameaça: eram absolutamente esperados. Os dirigentes europeus ignoraram todos os sinais transmitidos pelas várias sociedades europeias. Acomodaram-se e confiaram num bom senso que já pouco existe no continente. Esqueceram-se que os extremistas são quem mais se move, quem mais vai atrás dos seus ideais. Ou seja, os partidos extremistas beneficiaram de ter uma grande percentagem dos seus apoiantes a ir às urnas, ao contrário daqueles que defendem acções e ideais mais moderados e integracionistas. Os dirigentes europeus continuam a não querer perceber o verdadeiro significado da evolução das taxas de abstenção que se verificam nestas eleições - sempre elevadas e sempre a recrudescer. Estas pessoas não votam porque não se sentem representadas, não votam porque não se sentem ouvidas, não votam porque os dirigentes europeus decidem os seus destinos à revelia, em reuniões à porta fechada.

Envenenada por uma ilusão após o pesadelo da II Guerra Mundial, a Europa deitou-se e adormeceu. Foi crédula e, ingenuamente, ingeriu-a. Agora dorme e volta a ter maus sonhos. Depois da crise económica, é assustada com o monstro da crise política. Os vários candidatos a príncipe encantado ficaram, durante estes anos, no castelo apenas a admirá-la, tímidos, demasiado tímidos. Esperemos que agora, ao ver a face aterrorizada da Bela Europa Adormecida, algum príncipe (ou princesa) faça o que é esperado e necessário: que a beije apaixonadamente, que ela acorde e que vivam(os) felizes para sempre!

quinta-feira, 22 de maio de 2014

(Des)união europeia

Na última semana de campanha paras as eleições europeias, tidas pela opinião pública como as mais importantes de sempre, houve várias declarações surpreendentes.

A primeira veio da Alemanha, mais propriamente proferida por Frau Merkel, dizendo que já tem em preparação a constituição do próximo Executivo da Comissão Europeia.

Merkel afirma que as eleições, que se aproximam rapidamente, não têm que ser tidas em conta, como ficou plasmado no Tratado de Lisboa, um dos mais recentes a ser ratificado pelos Estados-membros da União Europeia, para a escolha do(a) próximo(a) Presidente da Comissão Europeia.


Em seguida, foi anunciado que o mesmo Governo pretende expulsar os imigrantes que não tenham emprego, passados poucos meses da sua chegada ou após o terem perdido.


Seguiu-se Monsieur Nicolas Sarkozy. Pretende o ex-Presidente francês que a União Europeia deixe de considerar todos os seus membros como iguais entre si, em direitos e deveres, que seja estabelecido um directório franco-alemão (será mais germânico-francês) e abolir o espaço Schengen, limitando, com isso, a imigração no território francês.


É verdade que, em termos práticos, os Estados-membros não são iguais entre si, na União Europeia. E eu sou apologista que as coisas e situações devem ser identificadas e classificadas exactamente tal como elas são. Mas a solução não é oficializar essa diferença; a solução é criar as condições e estruturas para que as nações se relacionem e definam os destinos europeus de forma igualitária entre si.

Numa altura em que a credibilidade das instituições governativas europeias anda pelas ruas da amargura e que, cada vez mais, se questiona porque não são os cargos mais importantes e decisores submetidos a sufrágio universal, chega-nos a informação oficial de que as eleições e os tratados apenas são consequentes se forem de encontro ao que determinados membros do Conselho Europeu pretendem. É uma repetição da situação criada aquando dos referendos sobre a Constituição Europeia: realizavam-se até o “sim” sair vencedor. Isto não é democracia, isto não é representatividade.

Relativamente à questão da imigração, Sarkozy, esse senhor, que, quem o ouvir, até pode pensar que é oriundo das mais antigas famílias gaulesas, esquece-se que os seus progenitores foram obrigados a sair do seu país de origem, a Hungria, onde pertenciam à aristocracia e tinham uma vida confortável, após a expropriação dos seus bens pelo regime soviético que se seguiu à II Guerra Mundial. Lutaram, e bem, pela vida e acabaram por ver os franceses a concederem à sua família condições de subsistência e crescimento. O que seria hoje deste senhor se a sua família tivesse sido impedida de se radicar em França?

Também no Reino Unido sopram ventos desagradáveis. Tentando conquistar o eleitorado insatisfeito com Bruxelas, Mr. David Cameron ameaça com um referendo à continuidade das terras de Sua Majestade na União Europeia. É verdade que vários políticos ingleses já, por várias vezes, fizeram alusão a esta possibilidade. Mas nunca de forma tão peremptória. A razão é simples: o primeiro lugar nas sondagens para o próximo escrutínio é ocupado pelos nacionalistas do UKIP.

Não é surpresa o anúncio de sondagens com previsões de uma elevada votação em partidos extremistas por essa Europa fora. O que é surpreendente é ver de representantes de partidos, tidos como moderados e integracionistas, tamanho apoio e promessas de medidas xenófobas e contrárias aos ideais que serviram de base à construção europeia e que, entre outras coisas, valeu à UE um, para mim injustificado, Prémio Nobel da Paz.

Eu posso compreender que a insatisfação possa desencadear sentimentos xenófobos em algumas pessoas e que estas se juntem e formem grupos ou partidos que defendam aquilo em que acreditem. Não concordo em nada com eles, mas percebo que isso possa suceder. O que não percebo, e penso ser ainda muito mais perigoso, é ver estas e outras figuras políticas de relevo defenderem posições e ideais contrários à sua consciência e aos seus próprios partidos. Porque se um eleitor moderado já se incomoda e começa a insurgir contra promessas não cumpridas, o que fará um eleitor extremista ao ver, no seu país, que um imigrante continua a ter mais apoio social e emprego do que ele, apesar das promessas feitas por um partido que vence as eleições e se posiciona, politicamente, perto do centro? Isto é um barril de pólvora!


Já por várias vezes afirmei que esta União Europeia não é uma união, por ter as suas fundações mais frágeis do que as da Baixa Pombalina. O que existe é uma Agremiação Europeia. A União Europeia, tal como está, não serve ao eixo franco-alemão, não serve aos PIGS e não serve aos escandinavos. Mas quem está a destruir a Comunidade são aqueles que mais poder de decisão e influência têm. Pois bem, comecemos por satisfazer Monsieur Sarkozy. Que a União Europeia seja constituída já amanhã pela Alemanha e pela França. Até deixo aqui já duas sugestões para a sua moeda: o Manco ou o Fraco. Juntem-se os PIGS, que têm interesses comuns, e junte-se a eles quem achar por bem e quiser uma verdadeira União. Que barco vencerá a corrida? Um com quatro ou cinco remadores a remarem para o mesmo lado ou outro com vinte e oito, remando seis para um lado, oito para outro, dois para outro e os outros doze a olhar?

domingo, 11 de maio de 2014

A Europa aqui tão perto

Há cerca de seis semanas, listei os meus desejos para a campanha eleitoral para os lugares no Parlamento Europeu. A campanha começará oficialmente amanhã. Na pré-campanha, eles não me foram regalados. Sê-lo-ão nas próximas duas semanas? Fica aqui o rol.


"As próximas eleições para o Parlamento Europeu são já daqui a dois meses. Escassos dois meses, o que significa, em Portugal, estarmos já em pré-campanha eleitoral. Mais ainda, até, por serem já conhecidos os cabeças-de-lista das forças políticas que, habitualmente, são mais votadas.

É inegável que estas são as eleições europeias mais importantes desde que os lugares em Estrasburgo são plebiscitados. E, por isso, todos os tempos de antena não serão de mais para se debater o que realmente importa. Mas serão de mais se abordarem temas que nunca farão parte da ordem de trabalhos no hemiciclo cianótico.

Nestas eleições, não quero ver discutido um compromisso entre a São Caetano à Lapa, o Largo do Rato e o Largo Adelino Amaro da Costa para os próximos cinco ou dez anos; quero saber como se podem concertar esforços entre os países mais afectados pela crise na UE. Não quero ver pleiteados os cortes nas pensões ou o aumento das taxas moderadoras ou das contribuições para a ADSE; quero ver debatidos fundos para a criação de emprego na Europa. Não quero ver abordada a Reforma do Estado já feita ou por fazer; quero ver idealizada a reforma das instituições europeias. Neste sufrágio, não quero fazer uma avaliação ao actual Governo Português; quero estar apto a escolher o próximo presidente da Comissão Europeia. Não quero ver os partidos da esquerda portuguesa dirimirem-se entre si por incapacidade de concertação; pretendo ver denodados anseios em impedir o evidente recrudescimento de forças extremistas.

O termo "União" desta União Europeia é apenas um epíteto. As suas fundações são mais frágeis do que as da Baixa Pombalina. Comecemos agora a reforçá-la. Reforçá-la ou demoli-la, consoante o que cada um de nós acredita ser o melhor para si e para a comunidade onde se insere. Mas cinjamo-nos ao que está realmente em discussão. Escolhamos os nossos representantes de acordo com as capacidades que terão no local que irão ocupar. A divergência relativamente aos temas que interessam directamente para os boletins de voto de 25 de Maio será tão perniciosa quanto a divergência entre os Estados-membro da UE."

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Treinador ao lado

A minha inquietude que se segue é futebolística. E apenas cingida ao meu clube.

Sendo inegável que a época 2013/2014 já terminou no reino do Dragão, penso que faz todo o sentido começar o primeiro jogo da pré-época de 2014/2015, logo contra o campeão em título, já com o treinador escolhido.

Era para mim evidente que o treinador não poderia ser Luís Castro. É verdade que, quando este assumiu o comando da equipa principal, não se lhe podia, em perfeito juízo, pedir a revalidação do título nacional. Mas pedia-se mais, muito mais, na Taça de Portugal e na Liga Europa. Não é o único responsável pelo insucesso da equipa, mas não foi capaz de tirar dela tudo o que esta podia dar.

Assim, era urgente escolher o treinador seguinte. Fosse eu presidente da SAD e o perfil do técnico teria de ir ao encontro dos seguintes requisitos:

  • estrangeiro (conhecedor da história e da responsabilidade do clube, mas com conhecimento reduzido dos jogadores do plantel, de modo a não se deixar influenciar por "intocáveis");
  • cerca de meia dúzia de competições conquistadas, ou seja, saber e querer jogar para ganhar, mas querer ganhar ainda mais, não vir para o clube já com estatuto elevado para uma possível reforma dourada;
  • experiência razoável na Liga dos Campeões, tendo já ultrapassado algumas vezes a fase de grupos.
Há, certamente, vários nomes que encaixam nesta curta lista. Os meus favoritos seriam, por ordem decrescente: Simeone; Gus Hiddink, Jurgen Klopp e André Villas-Boas (este não cumpre todos os requisitos, bem sei, mas estou convencido que voltaria a ter sucesso rapidamente no clube). Julen Lopetegui não é quem o clube precisa. Espero estar enganado, e cá estarei para o reconhecer se isso acontecer, mas não auguro um bom futuro imediato.

Lopetegui nunca jogou a Liga dos Campeões. Lopetegui nunca esteve num local onde, durante todos os dias da época, tivesse que estar sempre a pensar em terminar, no final, no primeiro lugar. Lopetegui nunca esteve num clube onde tivesse que pensar em vencer três ou duas competições na mesma época. Lopetegui nunca esteve num local onde tivesse que controlar alguns vedetismos ou desempenhos poupados de jogadores a pensar em jogos das suas selecções. Lopetegui é um vencedor comprovado em competições de selecções jovens. Nada mais. Uma coisa é reunir algumas vezes um grupo de miúdos que se vão destacando durante a sua formação, outra é estar diariamente com jogadores feitos.

A SAD do Porto tem que parar de pensar em conseguir maiores-valias com os treinadores do clube. O FC Porto, mais do que nunca, precisa de um treinador "de peso", experimentado, que mande no plantel por dentro e o defenda por fora. E isso custa dinheiro. Mas, para fazer dinheiro, é preciso gastar dinheiro. Um André Villas-Boas aparece uma ou talvez duas vezes numa vida. Mas o FC Porto, se quiser continuar a vencer, não pode passar a vida a procurá-lo novamente!


segunda-feira, 5 de maio de 2014

It’s not clean, it’s dirty and it stinks! Some better DEO, please!

Em menos de uma semana, o Governo de Portugal apresentou o Documento de Estratégia Orçamental (DEO) para os anos 2014-2018 e a solução adoptada para a saída o período que se segue ao programa de resgate financeiro.

Foram duas ocasiões em que os nossos governantes ousaram ludibriar, novamente, os portugueses.

A primeira ocasião foi a apresentação do DEO para os próximos quatro anos. Acreditar que este documento tenha sido estudado, pensado, preparado, elaborado e aprovado sem já ter sido definida a solução para a saída do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro é pura ingenuidade. E não chamar aumento de impostos ao aumento da taxa de IVA e da TSU é de um descaramento atroz.

A segunda foi ao anunciar que, com o fim do programa, o país reganharia as suas soberania e autonomia financeira, que seria dono do seu destino.

Relativamente ao DEO, não sou o cidadão mais indicado para o questionar. As minhas noções de Economia e do estado das finanças públicas são pouco mais que nulas. Mas, ao lê-lo, o meu receio relativamente o futuro agudizou-se. Ver como pressupostos para o documento os valores estimados da evolução do custo do barril de petróleo (no mercado de Brent) e do câmbio entre o euro e dólar que são apresentados fazem-me duvidar que a economia portuguesa atingirá os objectivos previstos. Como é possível pensar que o preço do barril de petróleo irá progressivamente baixar, até 2018, até cerca de 88 dólares? Ainda por cima, tendo em conta todos os conflitos actualmente existentes, recentes e mais antigos, que tão cedo não terão um fim?

Este é também um documento capcioso. Dou como exemplo o primeiro parágrafo da página 12. Cito: “Outro risco externo, com implicações internas negativas, prende-se com a possibilidade de aumentos adicionais do preço do petróleo, em resultado da continuação das tensões geopolíticas no Médio Oriente e Norte de África e, em alguns países da América Latina (como a Venezuela). Acresce que o recente conflito entre a Rússia e a Ucrânia tem pressionado o preço da energia e o seu fornecimento aos países do centro da Europa, designadamente do gás natural, criando maior incerteza na evolução dos preços destes produtos. Deve-se referir que este facto pode, contudo, constituir um risco positivo para a economia portuguesa que, fazendo uso das suas infraestruturas, poderá suprir, em parte, as necessidades energéticas dos países do centro e norte da Europa”. Ora, por um lado, considera uma redução substancial do preço do petróleo (de que continuamos a ser tão dependentes), por outro, é digno de ser considerado e mencionado como risco (que outros, omissos, haverá??) o inverso. Até me parece sensato, sim senhor, mas daí a considerar que essa desvantagem pode ser compensada por virmos a ser um fornecedor deste e doutros bens à Europa, desde a Espanha até à Noruega, é de uma enorme demagogia. Temos capacidade para levar petróleo e os seus derivados, por via férrea, de Sines até ao Centro da Europa? Temos gasodutos que nos liguem à Suécia? E que infra-estruturas já concebemos para levar o gás natural existente em tão grande quantidade na zona de Alcobaça a outros destinos? Nada, não existe nada senão projectos no interior de alguma gaveta.

Quanto à evolução da relação entre o euro e o dólar, estima-se que esta será, em 2018, de 1 para 1,45. Ora, se tal acontecer, não me parecem críveis as estimativas para as importações e exportações portuguesas e europeias. Na passada semana, questionei, numa conferência sobre competitividade e emprego, uma eurodeputada, economista e professora da Faculdade de Economia do Porto, se um euro demasiado forte face ao dólar não era mais um factor de divergência entre Portugal e a Europa. Fiquei satisfeito por ver a minha opinião ser partilhada pela senhora. É que a Alemanha importa e exporta maioritariamente para a Europa, transaccionando em euros. Portugal tem relações comerciais em maior volume com nações de África e da América latina, que têm as suas moedas indexadas ao dólar e/ou sem relação cambial directa com o Euro. Ora, com um euro mais forte, esses países terão que pagar mais pelos produtos e bens portugueses, o que significa que é expectável que as nossas exportações invertam o sentido com que têm evoluído.

Deixa-me também inquieto o pacote de medidas anunciado, nomeadamente no que diz respeito ao IVA e à TSU. Saúdo a reposição de rendimento aos funcionários públicos e aos pensionistas, mas o aumento do IVA irá afectar todos os portugueses, sem excepção. E, se pode ser verdade que alguns preços não serão alterados - os restaurantes, principalmente, estou certo que manterão os preços ao consumidor, mas o aumento do IVA será pago de outra forma, seja em mais desemprego, na falta de conforto no espaço ou na qualidade dos produtos –, a maior parte fará automaticamente a operação de multiplicação: as facturas da electricidade, do gás, da mercearia serão afectadas.

A juntar a esta injustiça, também a falta de equidade é reiterada. Uma conta rápida: com as medidas anunciadas na conferência de imprensa de apresentação do DEO, uma pensão de 1 000 € brutos passa a descontar (duradouramente em vez de transitoriamente) 20 € em vez de 35 € (menos 15 €); uma pensão de 3 500 Euros passa a descontar 122,50 € em vez de 350 € (menos 222,50 €). Ora, a poupança do primeiro não lhe permitirá, certamente, pagar a factura mensal de electricidade da sua habitação; já o segundo dificilmente terá uma factura de valor superior a essa poupança. Onde está a equidade, onde está a distribuição equitativa do esforço de consolidação das finanças públicas?

Este DEO não consegue disfarçar o odor a injustiça, insensatez e irresponsabilidade que tem exalado deste Governo. Mas, pelo menos, serviu para novamente nos dar uma nova edição do Dicionário da Língua Portuguesa. Depois da alteração de significado de “irrevogável”, temos agora novos significados para “transitório” e “abolido”.

Relativamente à saída do programa de resgate que agora se conclui, ofende-me vê-la ser considerada como limpa. Por várias razões. Em primeiro lugar, não é verdade que saída limpa seja sinónimo de sermos financeiramente donos do nosso destino: 1) continuaremos a ter missões de fiscalização regulares (em menor número, é certo, mas regulares) durante, pelo menos, quinze ou vinte anos; 2) enquanto os outros Estados-membros, de acordo com o PEC, poderão apresentar um défice de 3% relativamente ao seu PIB anual, Portugal estará limitado, pelo memorando de entendimento, a um défice de 2,5%. Ou seja, é solicitado a um português que percorra a mesma distância em menos tempo pelas colinas de Lisboa que um alemão na plana urbe de Berlim.

Em segundo lugar, a saída limpa não foi adoptada por vontade do nosso Governo; foi imposta por outros Estados-membro. Ver o nosso Governo congratular-se com essa decisão é a mesma coisa que uma equipa congratular-se com uma vitória por falta de comparência do adversário. A verdade é que o Governo português pretendia a rede de um programa cautelar, seja ele o que for, mas as garantias, os colaterais exigidos deveriam ser de uma dimensão difícil de imaginarmos. E se as garantias exigidas são elevadas, é sinal que a credibilidade para cumprir compromissos no futuro é reduzida. Assim sendo, o que será que nos é ocultado?

Em terceiro lugar, afirmar que o PAEF foi cumprido na íntegra é, novamente, iludir os portugueses. O programa viu as suas metas alteradas, sendo estas flexibilizadas. Foram-no muito justamente, quanto a mim, mas foram-no. E as medidas nele inscritas? Estas nunca foram claras, havendo diversas discussões entre os partidos que o assinaram sobre se determinada medida estava prevista ou não.


Não é fácil lavar Portugal. É verdade que os portugueses o merecem, mas não é fácil. Não sendo possível, de um dia para o outro, empreender tal tarefa, é preciso encontrar bons técnicos de limpeza e começar por afugentar as moscas. Depois, eu sugiro àqueles que entrem munidos de um melhor instrumento que elimine primeiro o fedor exalante.

sábado, 26 de abril de 2014

25 de Abril Sempre (?)

Portugal celebra os quarenta anos da Revolução dos Cravos. Quatro décadas em que Portugal, inegavelmente, mudou.

A Revolução foi também conhecida pelos três D’s que pretendeu oferecer ao país: Descolonização, Desenvolvimento e Democracia.

A Descolonização, talvez o D mais desejado por quem organizou, coordenou e fez parte do MFA, está feita. Foi mal feita, muito mal feita, mas está feita. O seu interesse é, hoje, apenas histórico.

O Desenvolvimento é (deve ser), por definição, um processo interminável. E Portugal, de 1974 até hoje, desenvolveu-se. As habitações sem água canalizada e saneamento básico são menos do que uma raridade. A taxa de analfabetização é muitíssimo menor (o que não significa que é menor a iliteracia). A Segurança Social abrange muito mais população. O Serviço Nacional de Saúde é (era) tido como um dos melhores da Europa. A esperança média de vida aumentou mais de dez anos. Mas a questão que coloco é: Portugal desenvolveu-se tanto quanto podia? Eu estou convencido que não. Ficou por fazer, nestes quarenta anos, muito do que podia ter sido feito. Portugal passou de um país (ou um império) “orgulhosamente só” no Mundo para um país dependente do Mundo globalizado, sem tirar rendimento de todo o potencial e de tudo o que pode oferecer para compensar essa dependência. É verdade que Portugal perdeu o petróleo e outros bens que detinha nas suas colónias e eram (são) muito procurados por outras nações; mas está ainda muito longe de diminuir tanto quanto possível a sua dependência energética do exterior através do Sol, do vento e do mar. Temos uma excelente rede de serviços através do sistema Multibanco, mas temos uma Justiça que se revela cada ano menos eficaz. Estes são apenas alguns exemplos. Mas o Desenvolvimento sonhado pelos Capitães de Abril tem sido apenas isso, um sonho, muito pelo não cumprimento do terceiro D.

A Democratização da comunidade portuguesa, como evoluiu até aqui, impediu o Desenvolvimento almejado enquanto as chaimites percorriam as estradas naquela madrugada e pela população, a partir do momento em que percebeu o alcance dos acontecimentos que se sucederam nesse dia e nos que se seguiram. Não basta haver eleições livres em períodos pré-estabelecidos. A Democracia não é apenas um depósito de um boletim numa urna. Como disse recentemente Felipe Gonzalez numa conferência em Lisboa, precisamente para celebrar esta efeméride, os portugueses e os espanhóis convenceram-se, na altura do derrube das respectivas ditaduras, que a Democracia lhes garantiria um bom Governo. Não, disse ele, e bem, a Democracia apenas garante que um mau Governo pode ser substituído. Mas não é (apenas) isso que se pretende. Não, uma Democracia é muito mais do que isso. Todos os homens e todas as mulheres merecem executivos governamentais que ajam no melhor interesse do bem comum, no melhor interesse de quem os elege, sem esquecer e ostracizar os que não lhes concederam o seu voto. Governar não pode ser apenas um meio, que dure uns meses, quatro, oito ou dez anos, para se atingir um cargo numa administração de uma empresa que oferece retribuições elevadas.

A Democratização do sistema político português foi mal feita. O regime semi-presidencialista é, na minha opinião, extremamente desadequado. É, quanto a mim, errada a forma de escolha de quem conduz a governação desta nação quase milenar. Na verdade, tal cargo não é directamente escolhido em sufrágio. Se, nas eleições legislativas, o voto de cada um é atribuído à lista de candidatos de um partido que concorre no distrito onde o eleitor está recenseado, como deve este proceder na seguinte situação: "se eu pretender ter como primeiro-ministro o candidato do partido A, que não consta da lista do seu partido no meu distrito, mas pretender ser representado no parlamento pelo terceiro candidato da lista do partido B no meu distrito, como devo eu votar?"

Esta última questão leva a outro exemplo que ilustra bem a falha na Democratização de que padece o nosso regime político: os deputados eleitos, cuja função é, entre outras, fiscalizar a acção do Governo, não tomam as suas decisões com base na sua consciência ou naquilo que prometeram nas suas campanhas. Não tomam as suas decisões com base em auscultações aos seus eleitores. Tomam as suas decisões com base nas vontades dos partidos que colocaram os seus nomes nas listas apresentadas a escrutínio. O mesmo deputado toma decisões contrárias quando presente perante uma determinada situação, consoante se senta na bancada que tem a côr partidária do Governo ou na bancada da oposição. São, infelizmente, demasiado raras as excepções.

Temos, depois, a figura do Presidente da República, pouco mais do que decorativa. Basta pensar que este órgão de soberania pode vetar uma lei, mas, se o Parlamento insistir e voltar a enviá-la, tal como inicialmente redigida, para promulgação, o PR não pode senão, constitucionalmente, aprová-la (a não ser que ela viole ou se julgue violar a Constituição).

O nosso sistema deveria ser presidencialista, sufragado universalmente, escolhendo o Presidente eleito os membros de Governo para o auxiliar. Ao Parlamento, constituído em eleição noutra data, competiria a fiscalização à acção do Presidente e do seu elenco governativo.

A verdade é que a Democracia não faz ainda parte do ADN dos portugueses. Nem dos políticos nem dos eleitores. Porque a verdade é que, quarenta anos depois, pouco mudou nesta área. Os portugueses criticam os políticos eleitos, estes continuam a enveredar por tacticismos partidários, actos de corrupção, de gestão danosa de recursos públicos. Eu não sou apologista de que, se um ladrão rouba, a culpa é da polícia que não viu. Não, quem deve ser punido é o meliante. Mas a população portuguesa, quarenta anos e tantos exemplos que amputam os nossos sonhos depois, continuam, na sua maioria, a escolher os mesmos partidos que nos trouxeram à presente situação. Continuam a acreditar nos mesmos discursos e campanhas, tão fátuos quanto estéreis, tão sofismáticos quanto irrevogáveis – atenção, no sentido que a palavra tem desde 2013, dado pela própria classe política. Até quando?

Salgueiro Maia esteve no Terreiro do Paço e no Largo do Carmo porque quis terminar com “o estado a que isto chegou”. Eu escrevo porque não gosto do estado a que isto não chegou e podia ter chegado. Não, a Democracia não chegou a Portugal no dia 25 de Abril de 1974. O slogan “25 de Abril Sempre” foi tomado de forma literal: o relógio parou, antes da meia-noite. Quarenta anos é muito tempo. São muitos dias. Demasiados dias. É tempo de dar corda ao relógio. É tempo de acordarmos no dia 26 de Abril de 1974.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Dar o exemplo

Após uma audição concedida em São Bento pelo seu inquilino aos partidos com assento parlamentar, Marco António Costa, porta-voz do PSD, veio colocar novamente em discussão na esfera pública o tema de retribuições salariais e pensões indexadas ao comportamento da economia nacional.

Não explicitou como seriam os desempenhos macroeconómicos reflectidos nos recibos de vencimento ou pensões dos portugueses. Ora, tal medida parece-me, numa simples palavra, injusta. Deverão os trabalhadores da Autoeuropa, após um ano de objectivos, pré-estabelecidos com a sua Administração, plenamente cumpridos, ser penalizados por um ano de recessão a nível nacional? Ou deverão ser premiados trabalhadores que, por motivos a si só imputáveis, não cumpriram com as suas obrigações, só por o país ter tido um ano de milagre económico? Eu afirmo que não.

Mas vamos admitir que tal medida é meritória de, pelo menos, ser estudada. Muito bem, aqui fica a minha proposta. Façamos a experiência com um grupo de estudo. O grupo piloto pode ser o do Governo e da Assembleia da República. Mais um euro ou menos um euro no vencimento de cada governante (incluindo respectivos gabinetes, assessores e afins) consoante menos um ou mais um desempregado (sem ter em conta a diminuição ou aumento da população activa). Mais um euro ou menos um euro para o mesmo grupo por cada milhão de redução ou aumento da dívida ou por cada milhão de aumento ou redução do PIB anual.

Também a nível demográfico podemos proceder a ajustamentos: mais um euro ou menos um euro para cada deputado por cada cem portugueses que regressam ao país ou que o abandonam, à procura de condições de vida condignas; aumento ou redução de um deputado por cada dez mil portugueses que regressam a Portugal ou que dele fogem.

Tentemos. Tente o Governo. Dê o exemplo e mostre que é a melhor solução. Caso seja, cá estarei para me dispor a ser ressarcido laboralmente da mesma forma.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Contas de sumir


Foi ontem noticiado que diversas entidades públicas não fizeram constar quaisquer aquisições de bens ou serviços, ou fizeram-no em quantidades manifestamente reduzidas, tendo em conta o que poderia ser razoavelmente expectável.

Exige a legislação em vigor – o Código dos Contratos Públicos, publicado em Fevereiro de 2008 - que todas as entidades e organismos que a ela estejam obrigados publicitem, no Portal Base dos Contratos Públicos, todos os serviços e bens que adquirem, com as excepções legalmente previstas.

Ora, segundo o jornal i, a Assembleia da República não fez qualquer aquisição desde 2009, tendo feito apenas seis em 2008! E a Presidência da República não fez ainda qualquer adjudicação desde então! Exemplo seguido à letra pela esmagadora maioria das cerca de três mil freguesias (apenas 87 sentiram necessidade de suprir algumas lacunas). Morda a língua quem afirma que o Estado Português é despesista. Os nossos governantes, afinal, têm sido um exemplo de gestão e de cumprimento das suas obrigações, sendo sensíveis à crise e manifestando a mais profunda solidariedade com a generalidade dos portugueses, que está a aprender a viver de acordo com as suas possibilidades. Resta apenas saber onde foram parar as verbas que, anualmente, são alocadas a cada instituição, entidade, ministério, autarquia e afins.

Foi também parangona o facto de apenas um partido não ter sido alvo de repreensão por parte do Tribunal Constitucional, relativamente à análise das contas dos partidos políticos portugueses referentes ao ano de 2009 (ano de eleições legislativas). Donativos indirectos, impossibilidade de confirmar a origem de algumas receitas, pagamentos em numerário acima do limite legal, incertezas relativas a reembolso de valores de IVA, etc., etc., etc. São várias as situações que violam a lei actual.

Ora, é sabido que existe, por parte dos portugueses, uma série de situações de incumprimento, desvio ou atalhamento das suas obrigações. Não sei se são estas entidades a imitar os portugueses ou os portugueses a imitar estas entidades. Se são os portugueses a treinar-se para quando assumirem cargos de dirigismo público ou se têm sido os dirigentes a treinar-se para, quando terminarem os seus mandatos, conseguirem sobreviver por entre os demais. O que sei é que falta algo. O que sei é que sumiu algo. Era bom que tivesse sido apenas a vergonha. Mas tenho receio que tenha sumido algo mais. Porque a minha credulidade, essa já sumiu há muito.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

L’opportunité de Hollande

A Revista Visão publicou online um artigo meu, escrito a 31 de Março de 2014. Os caracteres com acentos não saíram bem, pelo que coloco aqui o link e o texto corrigido.



L’opportunité de Hollande

O Partido Socialista francês, de François Hollande, teve uma pesada derrota nas eleições autárquicas gaulesas deste fim-de-semana. Era um resultado previsível. O que Hollande tem de perceber é que esta derrota foi o melhor que lhe podia ter acontecido, politicamente.

Costuma dizer-se que é nas crises que se encontram as melhores oportunidades. Na minha opinião, dificilmente se encontrará maior paradigma para o ilustrar, em termos políticos.

É conhecido o enorme descontentamento, dos franceses e dos europeus, relativo às frustradas expectativas de uma França com uma posição forte no plano europeu, com promessas de solidariedade e um combate à crise com medidas que a vencessem, não que a agravassem. Hollande falhou, nacional e internacionalmente. Mas só até agora, ainda no princípio do seu mandato.

A dois meses das eleições para o Parlamento Europeu, o inquilino do Eliseu tem, agora, todas as condições para deixar o seu nome escrito na História da Europa e enlevá-la.

Os resultados das últimas eleições em França foram, basicamente, um enorme protesto, uma afirmação de desilusão relativa aos primeiros meses de governação. Aproveitando a campanha eleitoral que se aproxima, com a taxa de popularidade imersa num pantanal, Hollande só tem que repetir, convictamente, o programa com que se apresentou às eleições presidenciais de 2012; Hollande só tem que dizer a Frau Merkel que o seu eleitorado exige uma política diferente daquela que vem seguindo, que exige medidas, nacionais e europeias, que não as da simples e penosa austeridade. Hollande só tem que mostrar ao mundo que, continuando desta forma, as políticas extremistas dominarão a freguesia, o distrito, o parlamento nacional, fracturando a Europa, os parlamentos nacionais que se seguirem, colocando distritos vizinhos em guerra, até chegar às freguesias, à rua, ao prédio, ao andar. Hollande poderá, assim, conquistar os seus compatriotas ao mesmo tempo que contagia e abraça os parceiros europeus mais frágeis.

Monsieur Hollande, há oportunidades que nunca chegam. Há oportunidades que chegam uma vez na vida. Oportunidades que chegam duas vezes são uma raridade. O que vai fazer com ela?