Portugal celebra os quarenta anos da Revolução dos Cravos.
Quatro décadas em que Portugal, inegavelmente, mudou.
A Revolução foi também conhecida pelos três D’s que
pretendeu oferecer ao país: Descolonização, Desenvolvimento e Democracia.
A Descolonização, talvez o D mais desejado por quem
organizou, coordenou e fez parte do MFA, está feita. Foi mal feita, muito mal
feita, mas está feita. O seu interesse é, hoje, apenas histórico.
O Desenvolvimento é (deve ser), por definição, um processo
interminável. E Portugal, de 1974 até hoje, desenvolveu-se. As habitações sem
água canalizada e saneamento básico são menos do que uma raridade. A taxa de analfabetização é muitíssimo menor (o que não significa que é menor a iliteracia).
A Segurança Social abrange muito mais população. O Serviço Nacional de Saúde é
(era) tido como um dos melhores da Europa. A esperança média de vida aumentou
mais de dez anos. Mas a questão que coloco é: Portugal desenvolveu-se tanto
quanto podia? Eu estou convencido que não. Ficou por fazer, nestes quarenta
anos, muito do que podia ter sido feito. Portugal passou de um país (ou um
império) “orgulhosamente só” no Mundo para um país dependente do Mundo
globalizado, sem tirar rendimento de todo o potencial e de tudo o que pode
oferecer para compensar essa dependência. É verdade que Portugal perdeu o petróleo e outros bens que detinha
nas suas colónias e eram (são) muito procurados por outras nações; mas está
ainda muito longe de diminuir tanto quanto possível a sua dependência
energética do exterior através do Sol, do vento e do mar. Temos uma excelente
rede de serviços através do sistema Multibanco, mas temos uma Justiça que se
revela cada ano menos eficaz. Estes são apenas alguns exemplos. Mas o
Desenvolvimento sonhado pelos Capitães de Abril tem sido apenas isso, um sonho,
muito pelo não cumprimento do terceiro D.
A Democratização da comunidade portuguesa, como evoluiu até
aqui, impediu o Desenvolvimento almejado enquanto as chaimites percorriam as
estradas naquela madrugada e pela população, a partir do momento em que
percebeu o alcance dos acontecimentos que se sucederam nesse dia e nos que se
seguiram. Não basta haver eleições livres em períodos pré-estabelecidos. A
Democracia não é apenas um depósito de um boletim numa urna. Como disse
recentemente Felipe Gonzalez numa conferência em Lisboa, precisamente para
celebrar esta efeméride, os portugueses e os espanhóis convenceram-se, na
altura do derrube das respectivas ditaduras, que a Democracia lhes garantiria
um bom Governo. Não, disse ele, e bem, a Democracia apenas garante que um
mau Governo pode ser substituído. Mas não é (apenas) isso que se pretende. Não,
uma Democracia é muito mais do que isso. Todos os homens e todas as mulheres
merecem executivos governamentais que ajam no melhor interesse do bem comum, no
melhor interesse de quem os elege, sem esquecer e ostracizar os que não lhes concederam
o seu voto. Governar não pode ser apenas um meio, que dure uns meses, quatro,
oito ou dez anos, para se atingir um cargo numa administração de uma empresa
que oferece retribuições elevadas.
A Democratização do sistema político português foi mal
feita. O regime semi-presidencialista é, na minha opinião, extremamente
desadequado. É, quanto a mim, errada a forma de escolha de quem conduz a
governação desta nação quase milenar. Na verdade, tal cargo não é directamente
escolhido em sufrágio. Se, nas eleições legislativas, o voto de cada um é
atribuído à lista de candidatos de um partido que concorre no distrito onde o
eleitor está recenseado, como deve este proceder na seguinte situação: "se eu pretender ter como primeiro-ministro o candidato do partido A, que não consta
da lista do seu partido no meu distrito, mas pretender ser representado no
parlamento pelo terceiro candidato da lista do partido B no meu distrito, como
devo eu votar?"
Esta última questão leva a outro exemplo que ilustra bem a
falha na Democratização de que padece o nosso regime político: os deputados
eleitos, cuja função é, entre outras, fiscalizar a acção do Governo, não tomam
as suas decisões com base na sua consciência ou naquilo que prometeram nas suas
campanhas. Não tomam as suas decisões com base em auscultações aos seus
eleitores. Tomam as suas decisões com base nas vontades dos partidos que
colocaram os seus nomes nas listas apresentadas a escrutínio. O mesmo deputado toma decisões contrárias quando presente perante uma determinada situação, consoante
se senta na bancada que tem a côr partidária do Governo ou na bancada da
oposição. São, infelizmente, demasiado raras as excepções.
Temos, depois, a figura do Presidente da República, pouco mais
do que decorativa. Basta pensar que este órgão de soberania pode vetar uma lei,
mas, se o Parlamento insistir e voltar a enviá-la, tal como inicialmente
redigida, para promulgação, o PR não pode senão, constitucionalmente, aprová-la
(a não ser que ela viole ou se julgue violar a Constituição).
O nosso sistema deveria ser presidencialista, sufragado
universalmente, escolhendo o Presidente eleito os membros de Governo para o
auxiliar. Ao Parlamento, constituído em eleição noutra data, competiria a
fiscalização à acção do Presidente e do seu elenco governativo.
A verdade é que a Democracia não faz ainda parte do ADN dos
portugueses. Nem dos políticos nem dos eleitores. Porque a verdade é que,
quarenta anos depois, pouco mudou nesta área. Os portugueses criticam os
políticos eleitos, estes continuam a enveredar por tacticismos partidários,
actos de corrupção, de gestão danosa de recursos públicos. Eu não sou
apologista de que, se um ladrão rouba, a culpa é da polícia que não viu. Não,
quem deve ser punido é o meliante. Mas a população portuguesa, quarenta anos e
tantos exemplos que amputam os nossos sonhos depois, continuam, na sua maioria,
a escolher os mesmos partidos que nos trouxeram à presente situação. Continuam
a acreditar nos mesmos discursos e campanhas, tão fátuos quanto estéreis, tão
sofismáticos quanto irrevogáveis – atenção, no sentido que a palavra tem desde
2013, dado pela própria classe política. Até quando?
Salgueiro Maia esteve no Terreiro do Paço e no Largo do
Carmo porque quis terminar com “o estado a que isto chegou”. Eu escrevo porque
não gosto do estado a que isto não chegou e podia ter chegado. Não, a Democracia não chegou a Portugal no dia 25 de Abril
de 1974. O slogan “25 de Abril Sempre” foi tomado de forma literal: o relógio
parou, antes da meia-noite. Quarenta anos é muito tempo. São muitos dias. Demasiados
dias. É tempo de dar corda ao relógio. É tempo de acordarmos no dia 26 de Abril
de 1974.