sábado, 26 de abril de 2014

25 de Abril Sempre (?)

Portugal celebra os quarenta anos da Revolução dos Cravos. Quatro décadas em que Portugal, inegavelmente, mudou.

A Revolução foi também conhecida pelos três D’s que pretendeu oferecer ao país: Descolonização, Desenvolvimento e Democracia.

A Descolonização, talvez o D mais desejado por quem organizou, coordenou e fez parte do MFA, está feita. Foi mal feita, muito mal feita, mas está feita. O seu interesse é, hoje, apenas histórico.

O Desenvolvimento é (deve ser), por definição, um processo interminável. E Portugal, de 1974 até hoje, desenvolveu-se. As habitações sem água canalizada e saneamento básico são menos do que uma raridade. A taxa de analfabetização é muitíssimo menor (o que não significa que é menor a iliteracia). A Segurança Social abrange muito mais população. O Serviço Nacional de Saúde é (era) tido como um dos melhores da Europa. A esperança média de vida aumentou mais de dez anos. Mas a questão que coloco é: Portugal desenvolveu-se tanto quanto podia? Eu estou convencido que não. Ficou por fazer, nestes quarenta anos, muito do que podia ter sido feito. Portugal passou de um país (ou um império) “orgulhosamente só” no Mundo para um país dependente do Mundo globalizado, sem tirar rendimento de todo o potencial e de tudo o que pode oferecer para compensar essa dependência. É verdade que Portugal perdeu o petróleo e outros bens que detinha nas suas colónias e eram (são) muito procurados por outras nações; mas está ainda muito longe de diminuir tanto quanto possível a sua dependência energética do exterior através do Sol, do vento e do mar. Temos uma excelente rede de serviços através do sistema Multibanco, mas temos uma Justiça que se revela cada ano menos eficaz. Estes são apenas alguns exemplos. Mas o Desenvolvimento sonhado pelos Capitães de Abril tem sido apenas isso, um sonho, muito pelo não cumprimento do terceiro D.

A Democratização da comunidade portuguesa, como evoluiu até aqui, impediu o Desenvolvimento almejado enquanto as chaimites percorriam as estradas naquela madrugada e pela população, a partir do momento em que percebeu o alcance dos acontecimentos que se sucederam nesse dia e nos que se seguiram. Não basta haver eleições livres em períodos pré-estabelecidos. A Democracia não é apenas um depósito de um boletim numa urna. Como disse recentemente Felipe Gonzalez numa conferência em Lisboa, precisamente para celebrar esta efeméride, os portugueses e os espanhóis convenceram-se, na altura do derrube das respectivas ditaduras, que a Democracia lhes garantiria um bom Governo. Não, disse ele, e bem, a Democracia apenas garante que um mau Governo pode ser substituído. Mas não é (apenas) isso que se pretende. Não, uma Democracia é muito mais do que isso. Todos os homens e todas as mulheres merecem executivos governamentais que ajam no melhor interesse do bem comum, no melhor interesse de quem os elege, sem esquecer e ostracizar os que não lhes concederam o seu voto. Governar não pode ser apenas um meio, que dure uns meses, quatro, oito ou dez anos, para se atingir um cargo numa administração de uma empresa que oferece retribuições elevadas.

A Democratização do sistema político português foi mal feita. O regime semi-presidencialista é, na minha opinião, extremamente desadequado. É, quanto a mim, errada a forma de escolha de quem conduz a governação desta nação quase milenar. Na verdade, tal cargo não é directamente escolhido em sufrágio. Se, nas eleições legislativas, o voto de cada um é atribuído à lista de candidatos de um partido que concorre no distrito onde o eleitor está recenseado, como deve este proceder na seguinte situação: "se eu pretender ter como primeiro-ministro o candidato do partido A, que não consta da lista do seu partido no meu distrito, mas pretender ser representado no parlamento pelo terceiro candidato da lista do partido B no meu distrito, como devo eu votar?"

Esta última questão leva a outro exemplo que ilustra bem a falha na Democratização de que padece o nosso regime político: os deputados eleitos, cuja função é, entre outras, fiscalizar a acção do Governo, não tomam as suas decisões com base na sua consciência ou naquilo que prometeram nas suas campanhas. Não tomam as suas decisões com base em auscultações aos seus eleitores. Tomam as suas decisões com base nas vontades dos partidos que colocaram os seus nomes nas listas apresentadas a escrutínio. O mesmo deputado toma decisões contrárias quando presente perante uma determinada situação, consoante se senta na bancada que tem a côr partidária do Governo ou na bancada da oposição. São, infelizmente, demasiado raras as excepções.

Temos, depois, a figura do Presidente da República, pouco mais do que decorativa. Basta pensar que este órgão de soberania pode vetar uma lei, mas, se o Parlamento insistir e voltar a enviá-la, tal como inicialmente redigida, para promulgação, o PR não pode senão, constitucionalmente, aprová-la (a não ser que ela viole ou se julgue violar a Constituição).

O nosso sistema deveria ser presidencialista, sufragado universalmente, escolhendo o Presidente eleito os membros de Governo para o auxiliar. Ao Parlamento, constituído em eleição noutra data, competiria a fiscalização à acção do Presidente e do seu elenco governativo.

A verdade é que a Democracia não faz ainda parte do ADN dos portugueses. Nem dos políticos nem dos eleitores. Porque a verdade é que, quarenta anos depois, pouco mudou nesta área. Os portugueses criticam os políticos eleitos, estes continuam a enveredar por tacticismos partidários, actos de corrupção, de gestão danosa de recursos públicos. Eu não sou apologista de que, se um ladrão rouba, a culpa é da polícia que não viu. Não, quem deve ser punido é o meliante. Mas a população portuguesa, quarenta anos e tantos exemplos que amputam os nossos sonhos depois, continuam, na sua maioria, a escolher os mesmos partidos que nos trouxeram à presente situação. Continuam a acreditar nos mesmos discursos e campanhas, tão fátuos quanto estéreis, tão sofismáticos quanto irrevogáveis – atenção, no sentido que a palavra tem desde 2013, dado pela própria classe política. Até quando?

Salgueiro Maia esteve no Terreiro do Paço e no Largo do Carmo porque quis terminar com “o estado a que isto chegou”. Eu escrevo porque não gosto do estado a que isto não chegou e podia ter chegado. Não, a Democracia não chegou a Portugal no dia 25 de Abril de 1974. O slogan “25 de Abril Sempre” foi tomado de forma literal: o relógio parou, antes da meia-noite. Quarenta anos é muito tempo. São muitos dias. Demasiados dias. É tempo de dar corda ao relógio. É tempo de acordarmos no dia 26 de Abril de 1974.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Dar o exemplo

Após uma audição concedida em São Bento pelo seu inquilino aos partidos com assento parlamentar, Marco António Costa, porta-voz do PSD, veio colocar novamente em discussão na esfera pública o tema de retribuições salariais e pensões indexadas ao comportamento da economia nacional.

Não explicitou como seriam os desempenhos macroeconómicos reflectidos nos recibos de vencimento ou pensões dos portugueses. Ora, tal medida parece-me, numa simples palavra, injusta. Deverão os trabalhadores da Autoeuropa, após um ano de objectivos, pré-estabelecidos com a sua Administração, plenamente cumpridos, ser penalizados por um ano de recessão a nível nacional? Ou deverão ser premiados trabalhadores que, por motivos a si só imputáveis, não cumpriram com as suas obrigações, só por o país ter tido um ano de milagre económico? Eu afirmo que não.

Mas vamos admitir que tal medida é meritória de, pelo menos, ser estudada. Muito bem, aqui fica a minha proposta. Façamos a experiência com um grupo de estudo. O grupo piloto pode ser o do Governo e da Assembleia da República. Mais um euro ou menos um euro no vencimento de cada governante (incluindo respectivos gabinetes, assessores e afins) consoante menos um ou mais um desempregado (sem ter em conta a diminuição ou aumento da população activa). Mais um euro ou menos um euro para o mesmo grupo por cada milhão de redução ou aumento da dívida ou por cada milhão de aumento ou redução do PIB anual.

Também a nível demográfico podemos proceder a ajustamentos: mais um euro ou menos um euro para cada deputado por cada cem portugueses que regressam ao país ou que o abandonam, à procura de condições de vida condignas; aumento ou redução de um deputado por cada dez mil portugueses que regressam a Portugal ou que dele fogem.

Tentemos. Tente o Governo. Dê o exemplo e mostre que é a melhor solução. Caso seja, cá estarei para me dispor a ser ressarcido laboralmente da mesma forma.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Contas de sumir


Foi ontem noticiado que diversas entidades públicas não fizeram constar quaisquer aquisições de bens ou serviços, ou fizeram-no em quantidades manifestamente reduzidas, tendo em conta o que poderia ser razoavelmente expectável.

Exige a legislação em vigor – o Código dos Contratos Públicos, publicado em Fevereiro de 2008 - que todas as entidades e organismos que a ela estejam obrigados publicitem, no Portal Base dos Contratos Públicos, todos os serviços e bens que adquirem, com as excepções legalmente previstas.

Ora, segundo o jornal i, a Assembleia da República não fez qualquer aquisição desde 2009, tendo feito apenas seis em 2008! E a Presidência da República não fez ainda qualquer adjudicação desde então! Exemplo seguido à letra pela esmagadora maioria das cerca de três mil freguesias (apenas 87 sentiram necessidade de suprir algumas lacunas). Morda a língua quem afirma que o Estado Português é despesista. Os nossos governantes, afinal, têm sido um exemplo de gestão e de cumprimento das suas obrigações, sendo sensíveis à crise e manifestando a mais profunda solidariedade com a generalidade dos portugueses, que está a aprender a viver de acordo com as suas possibilidades. Resta apenas saber onde foram parar as verbas que, anualmente, são alocadas a cada instituição, entidade, ministério, autarquia e afins.

Foi também parangona o facto de apenas um partido não ter sido alvo de repreensão por parte do Tribunal Constitucional, relativamente à análise das contas dos partidos políticos portugueses referentes ao ano de 2009 (ano de eleições legislativas). Donativos indirectos, impossibilidade de confirmar a origem de algumas receitas, pagamentos em numerário acima do limite legal, incertezas relativas a reembolso de valores de IVA, etc., etc., etc. São várias as situações que violam a lei actual.

Ora, é sabido que existe, por parte dos portugueses, uma série de situações de incumprimento, desvio ou atalhamento das suas obrigações. Não sei se são estas entidades a imitar os portugueses ou os portugueses a imitar estas entidades. Se são os portugueses a treinar-se para quando assumirem cargos de dirigismo público ou se têm sido os dirigentes a treinar-se para, quando terminarem os seus mandatos, conseguirem sobreviver por entre os demais. O que sei é que falta algo. O que sei é que sumiu algo. Era bom que tivesse sido apenas a vergonha. Mas tenho receio que tenha sumido algo mais. Porque a minha credulidade, essa já sumiu há muito.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

L’opportunité de Hollande

A Revista Visão publicou online um artigo meu, escrito a 31 de Março de 2014. Os caracteres com acentos não saíram bem, pelo que coloco aqui o link e o texto corrigido.



L’opportunité de Hollande

O Partido Socialista francês, de François Hollande, teve uma pesada derrota nas eleições autárquicas gaulesas deste fim-de-semana. Era um resultado previsível. O que Hollande tem de perceber é que esta derrota foi o melhor que lhe podia ter acontecido, politicamente.

Costuma dizer-se que é nas crises que se encontram as melhores oportunidades. Na minha opinião, dificilmente se encontrará maior paradigma para o ilustrar, em termos políticos.

É conhecido o enorme descontentamento, dos franceses e dos europeus, relativo às frustradas expectativas de uma França com uma posição forte no plano europeu, com promessas de solidariedade e um combate à crise com medidas que a vencessem, não que a agravassem. Hollande falhou, nacional e internacionalmente. Mas só até agora, ainda no princípio do seu mandato.

A dois meses das eleições para o Parlamento Europeu, o inquilino do Eliseu tem, agora, todas as condições para deixar o seu nome escrito na História da Europa e enlevá-la.

Os resultados das últimas eleições em França foram, basicamente, um enorme protesto, uma afirmação de desilusão relativa aos primeiros meses de governação. Aproveitando a campanha eleitoral que se aproxima, com a taxa de popularidade imersa num pantanal, Hollande só tem que repetir, convictamente, o programa com que se apresentou às eleições presidenciais de 2012; Hollande só tem que dizer a Frau Merkel que o seu eleitorado exige uma política diferente daquela que vem seguindo, que exige medidas, nacionais e europeias, que não as da simples e penosa austeridade. Hollande só tem que mostrar ao mundo que, continuando desta forma, as políticas extremistas dominarão a freguesia, o distrito, o parlamento nacional, fracturando a Europa, os parlamentos nacionais que se seguirem, colocando distritos vizinhos em guerra, até chegar às freguesias, à rua, ao prédio, ao andar. Hollande poderá, assim, conquistar os seus compatriotas ao mesmo tempo que contagia e abraça os parceiros europeus mais frágeis.

Monsieur Hollande, há oportunidades que nunca chegam. Há oportunidades que chegam uma vez na vida. Oportunidades que chegam duas vezes são uma raridade. O que vai fazer com ela?