quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Vamos eleger as eleições

O agendamento de uma partida do campeonato português de futebol entre dois dos clubes com maior projecção nacional para o dia das próximas eleições autárquicas colocou em cima da mesa a possibilidade de se criar legislação que impeça a realização de eventos desportivos em dias de os portugueses serem chamados às urnas de voto.

Portugal é um país que dá muita importância aos pontapés na bola, aos pontapés na canela, aos fora-de-jogo e às grandes penalidades. Mas não é só o futebol que distrai os portugueses de cumprir o seu dever cívico. Também o fazem a missa, o passeio de Domingo, a saída para os bares e discotecas na noite / madrugada anterior.

Proíba-se tudo isso: proíba-se a ida aos supermercados, aos centros comerciais ou às lojas de rua. Aliás, encerrem-nos e, pelo sim pelo não, bloqueiem também as caixas multibanco e os terminais de pagamento automático. Proíba-se o segundo ou terceiro emprego para compor o orçamento familiar. Feche-se o acesso às praias e aos campos. Devolva-se o valor do bilhete para concertos. Deixe-se a prole fechada no quarto, com bastantes soporíferos misturados no arroz, na massa ou no puré. E não o façam apenas no Domingo, dia das eleições; façam-no logo à meia-noite de 6ª para Sábado, de modo a que todas as portuguesas e todos os portugueses inscritos nos cadernos eleitorais, mesmo aqueles que já partiram deste mundo, possam, convenientemente, reflectir, sem quaisquer distracções, num dia e votar no outro.

Talvez não fosse má ideia ir um pouco mais além e obrigar a que toda a gente, em ano de eleições, marcasse e gozasse férias nas duas semanas que as antecedem, de modo a seguir integralmente a campanha eleitoral no seu período oficial. E que toda a gente fosse obrigada a estar em casa, a seguir essa campanha pela televisão, pela rádio ou pela internet, se não lhe for possível estar em qualquer comício ou arruada de algum dos candidatos. Mais: deveríamos seguir a Coreia do Norte e controlar as notícias divulgadas por todos os meios de comunicação social: apenas são transmitidos discursos e acções de campanha; o resto do mundo poderá esperar. Censurem-se as novelas, as séries, os filmes e os documentários.

Mesmo no campo da saúde, todos os médicos deveriam ter a devida atenção na marcação de cirurgias: "a operação de que tão urgentemente está necessitado(a) vai ter de ser adiada para depois das eleições, pois o período pós-operatório é longo e, caso fosse "à faca" na data marcada, não iria poder votar". Proíba-se de imediato o falecimento.

Proíba-se, por decreto, tudo aquilo que impeça de ver e ouvir as lautas promessas das candidaturas que tanto alentam, as ínclitas, nobres e elevadas denúncias e insinuações dirigidas aos adversários, as sinceras auscultações populares nas feiras e mercados, os genuínos cumprimentos que são impossíveis de fazer durante um mandato. E tudo aquilo que também impeça, a seguir, de ouvir os sentidos e veros discursos, aqueles que nos convencem que todos, mas todos os candidatos saíram vitoriosos, tendo sido derrotados, apenas e só, os eleitores.



quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Não há nada mais injusto

Não há nada mais injusto
Do que uma vida inacabada.
Por um capricho do acaso
Ter contado o último ocaso
Sem deixar a história assinada.

Quando um instante é eterno
Mas a eternidade não é momentânea,
Quando tudo fica interrogação
Sem saber o que se segue ao Verão
Numa ausência com presença simultânea.

Não há nada mais injusto
Do que a ceifa da seara prematura,
Do que ser proferida palavra muda
Em caixa que nunca é surda
Num diálogo roubado que perdura.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Morre mais quem fica

Morre mais quem fica,
Morre mais quem vê,
Morre mais quem dá do que quem quantifica.

Morre mais quem sente,
Morre mais quem lembra,
Morre mais do que quem gela quem fica quente.

Morre mais quem perde,
Morre mais quem espera,
Morre mais quem suporta do que quem cede.

Morre mais quem teve,
Morre mais quem lavou,
Enquanto tudo passa, morre só... quem vive.

domingo, 21 de junho de 2015

O actual cisma entre o Eurogrupo e a Grécia só poderá ser resolvido com bom senso, dado que não há uma parte que possa dizer que precisa menos da outra. Será um trabalho hercúleo, mas creio que será mais simples do que os responsáveis têm feito querer parecer.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Para 2015!

Os últimos dias dos meses de Dezembro são sempre de retrospectiva do ano que finda e de formulação de desejos e resoluções para o ano que se aproxima.

A retrospectiva tem pouco que se lhe diga. Foi-se a troika, mas ainda não sabemos quanto tempo mais estaremos e seremos troikados. Foi um ano menos saudável. Mas foi um ano com melhor trabalho. Faltaram algumas coisas. Pouco interessa para aqui.

Interessa mais o ano de 2015. Não se pode fazer muito relativamente ao ano que passou. Para 2015, desejo mais tempo. Mais tempo para gozar o tempo. Melhor tempo. Menos tempo perdido. Que o tempo não tenha sido perdido. Que nos deixem descansar, que nos deixem respirar, recuperar do sufoco. Quero que as minhas ucronias deixem de o ser. Não muitas: só duas.

No próximo ano, espero sentir que governamos quem nos governa. Espero que não sejam colhidas laranjas azedas nem rosas murchas e com mais espinhos do que pétalas; que as setas apontem para o alvo certo; que a foice não seja metida em seara alheia e que o martelo não bata senão em pregos; que a estrela não seja um buraco negro; que a papoila não cause euforias ou hipnotismos.

Espero que, nos próximos doze meses, tudo o que seja dourado reluza e tenha valor, mas que não encandeie. Espero sentir-me menos detido do que alguns detidos; menos afundado; menos rico que certos leopardos.

Em 2015, espero ter a certeza que vou, que vamos, passar bem em 2016.

Feliz ano novo!



segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Eu acredito em António Costa!

António Costa apareceu, como líder do seu partido, numa aura de um político diferente de todos os outros. Um salvador, alguém capaz de apagar todo o mal causado pelos partidos antagonistas do seu e pelo seu próprio partido.

Neste fim-de-semana, eu vi que tal epíteto é justificado. António Costa, após algumas semanas sem concretizar uma única ideia de governação, manifestou-se relativamente à TAP.

Sendo a privatização da TAP um assunto constante dos dossiês do Executivo, o actual líder da autarquia lisbonense afirmou, dando a entender ser contra o modelo de privatização anunciado para a companhia, que a TAP "é tão importante, hoje, para Portugal como foram, no século XIV, as caravelas".

As caravelas foram equipamentos absolutamente essenciais para a época conhecida como os Descobrimentos. Esta época ocorreu entre os anos 1415 (ou 1418, já que Ceuta foi uma conquista, não uma descoberta) e 1543. Sendo que o século I compreendeu os anos 1 a 100, o século XIV teve como limites 1 de Janeiro de 1301 e 31 de Dezembro de 1400.

O maior impulsionador dos Descobrimentos, o Infante D. Henrique, já tinha seis anos no fim do século XIV, mas duvido que, por essa altura, ele imaginasse todo o mundo de possibilidades que aquele conjunto de tábuas de madeira lhe poderiam proporcionar. 

Eu deixei de duvidar da imparidade de António Costa. António Costa não mente. Para ele, a TAP tem a importância nacional que tiveram as caravelas muito antes de elas terem partido para o desconhecido e de trazerem para o nosso país tantas riquezas. Imagino que, para ele, o futebol tenha a mesma importância que os gladiadores e o circo romano tiveram há cinquenta mil anos; que o euro tenha a mesma importância que o escudo teve no século II.

Eu só espero que, seja António Costa primeiro-ministro ou outro qualquer, daqui a um ano, eu não tenha, para o Governo, a mesma importância que tiveram os meus saudosos avós no século XVII.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Voltas

Depois de uma volta completa,
que nunca apontou a direcção certa,
sempre a ter mais e ser menos do que queres,
sem poder tapar-me nem destapar-me de ti,
tão certo como não poder haver vales sem montes,
o inefável peso do vazio esmaga
e detalha todo o desconhecido,
como se o sonhado fosse o vivido.


Sonho que faz das palavras oculares
ter a pele que osculares
e os braços como teus colares,
após uma volta concreta,
num abraço que tudo desaperta,
ter tanto quanto e ser tudo o que queres,
tapar-me e não mais me destapar de ti.