quinta-feira, 22 de maio de 2014

(Des)união europeia

Na última semana de campanha paras as eleições europeias, tidas pela opinião pública como as mais importantes de sempre, houve várias declarações surpreendentes.

A primeira veio da Alemanha, mais propriamente proferida por Frau Merkel, dizendo que já tem em preparação a constituição do próximo Executivo da Comissão Europeia.

Merkel afirma que as eleições, que se aproximam rapidamente, não têm que ser tidas em conta, como ficou plasmado no Tratado de Lisboa, um dos mais recentes a ser ratificado pelos Estados-membros da União Europeia, para a escolha do(a) próximo(a) Presidente da Comissão Europeia.


Em seguida, foi anunciado que o mesmo Governo pretende expulsar os imigrantes que não tenham emprego, passados poucos meses da sua chegada ou após o terem perdido.


Seguiu-se Monsieur Nicolas Sarkozy. Pretende o ex-Presidente francês que a União Europeia deixe de considerar todos os seus membros como iguais entre si, em direitos e deveres, que seja estabelecido um directório franco-alemão (será mais germânico-francês) e abolir o espaço Schengen, limitando, com isso, a imigração no território francês.


É verdade que, em termos práticos, os Estados-membros não são iguais entre si, na União Europeia. E eu sou apologista que as coisas e situações devem ser identificadas e classificadas exactamente tal como elas são. Mas a solução não é oficializar essa diferença; a solução é criar as condições e estruturas para que as nações se relacionem e definam os destinos europeus de forma igualitária entre si.

Numa altura em que a credibilidade das instituições governativas europeias anda pelas ruas da amargura e que, cada vez mais, se questiona porque não são os cargos mais importantes e decisores submetidos a sufrágio universal, chega-nos a informação oficial de que as eleições e os tratados apenas são consequentes se forem de encontro ao que determinados membros do Conselho Europeu pretendem. É uma repetição da situação criada aquando dos referendos sobre a Constituição Europeia: realizavam-se até o “sim” sair vencedor. Isto não é democracia, isto não é representatividade.

Relativamente à questão da imigração, Sarkozy, esse senhor, que, quem o ouvir, até pode pensar que é oriundo das mais antigas famílias gaulesas, esquece-se que os seus progenitores foram obrigados a sair do seu país de origem, a Hungria, onde pertenciam à aristocracia e tinham uma vida confortável, após a expropriação dos seus bens pelo regime soviético que se seguiu à II Guerra Mundial. Lutaram, e bem, pela vida e acabaram por ver os franceses a concederem à sua família condições de subsistência e crescimento. O que seria hoje deste senhor se a sua família tivesse sido impedida de se radicar em França?

Também no Reino Unido sopram ventos desagradáveis. Tentando conquistar o eleitorado insatisfeito com Bruxelas, Mr. David Cameron ameaça com um referendo à continuidade das terras de Sua Majestade na União Europeia. É verdade que vários políticos ingleses já, por várias vezes, fizeram alusão a esta possibilidade. Mas nunca de forma tão peremptória. A razão é simples: o primeiro lugar nas sondagens para o próximo escrutínio é ocupado pelos nacionalistas do UKIP.

Não é surpresa o anúncio de sondagens com previsões de uma elevada votação em partidos extremistas por essa Europa fora. O que é surpreendente é ver de representantes de partidos, tidos como moderados e integracionistas, tamanho apoio e promessas de medidas xenófobas e contrárias aos ideais que serviram de base à construção europeia e que, entre outras coisas, valeu à UE um, para mim injustificado, Prémio Nobel da Paz.

Eu posso compreender que a insatisfação possa desencadear sentimentos xenófobos em algumas pessoas e que estas se juntem e formem grupos ou partidos que defendam aquilo em que acreditem. Não concordo em nada com eles, mas percebo que isso possa suceder. O que não percebo, e penso ser ainda muito mais perigoso, é ver estas e outras figuras políticas de relevo defenderem posições e ideais contrários à sua consciência e aos seus próprios partidos. Porque se um eleitor moderado já se incomoda e começa a insurgir contra promessas não cumpridas, o que fará um eleitor extremista ao ver, no seu país, que um imigrante continua a ter mais apoio social e emprego do que ele, apesar das promessas feitas por um partido que vence as eleições e se posiciona, politicamente, perto do centro? Isto é um barril de pólvora!


Já por várias vezes afirmei que esta União Europeia não é uma união, por ter as suas fundações mais frágeis do que as da Baixa Pombalina. O que existe é uma Agremiação Europeia. A União Europeia, tal como está, não serve ao eixo franco-alemão, não serve aos PIGS e não serve aos escandinavos. Mas quem está a destruir a Comunidade são aqueles que mais poder de decisão e influência têm. Pois bem, comecemos por satisfazer Monsieur Sarkozy. Que a União Europeia seja constituída já amanhã pela Alemanha e pela França. Até deixo aqui já duas sugestões para a sua moeda: o Manco ou o Fraco. Juntem-se os PIGS, que têm interesses comuns, e junte-se a eles quem achar por bem e quiser uma verdadeira União. Que barco vencerá a corrida? Um com quatro ou cinco remadores a remarem para o mesmo lado ou outro com vinte e oito, remando seis para um lado, oito para outro, dois para outro e os outros doze a olhar?

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